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Dr. Michel R. Paes – Advogado

Herança de Dívidas — Limites e Obrigações

Quando uma pessoa falece, ficam duas perguntas práticas no ar: quem paga as dívidas e até onde vai essa responsabilidade? A resposta combina regras do Código Civil e do CPC, além de entendimentos consolidados do STJ. Este guia direto separa o que é do espólio e o que é dos herdeiros, com exceções importantes (tributos, condomínio, alimentos etc.), sempre dentro do limite da herança.

Regra de ouro: limite das “forças da herança”

O herdeiro não responde por encargos superiores ao que efetivamente herdou. É o que diz o art. 1.792 do Código Civil (“forças da herança”). Em outras palavras: o patrimônio particular do herdeiro não entra na conta para quitar dívidas do falecido.

Após a partilha, cada herdeiro responde apenas na proporção do seu quinhão (art. 1.997 do CC).

Antes e depois da partilha: quem é o devedor no processo?

  • Antes da partilha: quem responde é o espólio. O credor deve demandar no juízo do inventário, e o inventariante representa o espólio ativa e passivamente (art. 796 e art. 618 do CPC/2015).
  • Depois da partilha: o credor pode cobrar de cada herdeiro, pro rata ao que cada um recebeu.

O STJ já reforçou a lógica: herdeiros respondem na proporção do quinhão — nada de solidariedade automática entre eles em dívidas divisíveis. Superior Tribunal de Justiça

Como o credor se habilita no inventário

Credores podem habilitar o crédito no inventário (art. 642 do CPC). Se houver anuência de todos, o juiz separa numerário ou bens para pagar; sem consenso, remete-se às vias próprias. O STJ, em 27/03/2025, reforçou que a anuência deve ser expressa. Superior Tribunal de Justiça

Atenção: credor individual de herdeiro (e não do espólio) não tem legitimidade para se habilitar no inventário — tema julgado pelo STJ em 20/07/2023. Superior Tribunal de Justiça

Tributos: regra especial do CTN

No tributário, há regramento próprio:

  • Espólio responde pelos tributos devidos até a abertura da sucessão (art. 131, III, CTN).
  • Sucessores e cônjuge meeiro respondem até o limite do quinhão/meação pelos tributos devidos até a partilha (art. 131, II, CTN).

O limite do quinhão continua sendo a bússola: não há transferência ilimitada ao patrimônio particular do herdeiro.

Dívidas com garantia real e obrigações “propter rem”

Algumas obrigações grudam no bem (propter rem). É o caso de taxas condominiais: acompanham o imóvel e podem ensejar penhora do bem na execução, ainda que o proprietário atual não tenha figurado na ação de conhecimento. Superior Tribunal de Justiça

Quanto à legitimidade passiva em débitos de condomínio, o STJ já admitiu que promitente comprador e promitente vendedor podem responder concorrentemente, a depender do caso. Superior Tribunal de Justiça

Alimentos: transmitem-se? (o que muda com o óbito)

O art. 1.700 do CC fala em transmissão da obrigação de prestar alimentos aos herdeiros, mas a jurisprudência do STJ faz distinções importantes:

  • Não se transfere ao espólio uma obrigação alimentar que sequer havia sido demandada contra o falecido em vida. Em 30/01/2019, o STJ decidiu ser inviável transferir a obrigação de pagar alimentos se a ação não foi proposta antes do óbito. Superior Tribunal de Justiça
  • Prestações alimentares vencidas antes do falecimento podem ser tratadas como dívidas da herança (cobradas nos limites das forças da herança); a própria notícia do STJ de 2019 ressalta que o que se transmite é a dívida já existente, não um dever novo. Superior Tribunal de Justiça

Mais recentemente, a Terceira Turma admitiu que o espólio arque com alimentos durante o inventário, compensando tais valores no quinhão do herdeiro alimentando — solução de equilíbrio para o período de transição. migalhas.com.br

Meação do cônjuge sobrevivente: quando responde?

A meação não integra a herança e, em regra, não responde por dívidas exclusivas do falecido. Exceção clássica: quando a dívida beneficiou a família. A Súmula 251 do STJ exige prova do proveito do casal para alcançar a meação em execução fiscal por ato ilícito. A proteção da meação é regra; o ônus de provar o benefício é do credor.

Há, ainda, a tutela do bem de família (quando se aplica), que pode proteger imóvel do espólio enquanto preservada sua função residencial.

E as dívidas trabalhistas, bancárias, civis em geral?

Regra geral: seguem o binômio “espólio antes da partilha / herdeiros depois, pro rata”, sempre limitadas às forças da herança (arts. 1.792 e 1.997, CC; art. 796, CPC). JusBrasil

Passo a passo prático para Herança

Se você é herdeiro

  1. Levante o passivo: peça ao inventariante o quadro de dívidas e verifique garantias reais (ex.: hipoteca) e débitos propter rem (condomínio).
  2. Exija a via correta: antes da partilha, ações devem ser contra o espólio (não diretamente contra herdeiros).
  3. Defenda o limite: após a partilha, pague só na proporção do seu quinhão — e só até o valor recebido.
  4. Proteja a meação (se for o caso): conteste penhora que alcance além do devido, exigindo prova de benefício comum.

Se você é credor

  1. Habilite o crédito no inventário (art. 642 do CPC) e busque a anuência expressa — agiliza a separação de bens/valores.
  2. Escolha o polo passivo correto: espólio antes da partilha; herdeiros, depois (pro rata).
  3. Atenção ao tipo de dívida: condomínio (propter rem) pode ir direto ao bem; tributos seguem o CTN; alimentos têm tratamento próprio conforme o estágio processual no óbito.

Perguntas rápidas

Herdeiro “tira do bolso” para pagar?
Não. Paga-se com o que foi herdado. Se a herança não cobre, o saldo não migra para o patrimônio particular.

E se aparecer dívida “nova” depois da partilha?
O credor cobra de cada herdeiro, na proporção do quinhão, ainda assim limitado ao que cada um recebeu.

Dívida de condomínio do imóvel herdado?
A obrigação acompanha o imóvel; o bem pode ser penhorado na fase de cumprimento.

Posso habilitar crédito contra um herdeiro específico dentro do inventário?
Não. A habilitação ali é voltada a credores do espólio; credor pessoal do herdeiro deve buscar outras vias.


Referências essenciais (lei e jurisprudência)

  • Código Civil (Lei 10.406/2002): art. 1.792 (limite das forças da herança) e art. 1.997 (responsabilidade pro rata após a partilha).
  • CPC/2015: art. 796 (espólio responde antes da partilha), art. 618 (inventariante representa o espólio), art. 642 (habilitação de crédito).
  • CTN (Lei 5.172/1966): art. 131, II e III (responsabilidade do espólio, sucessores e meeiro).
  • STJ – Condomínio/propter rem: penhora do imóvel na execução, mesmo sem o proprietário ter figurado na ação de cobrança. Superior Tribunal de Justiça
  • STJ – Proporção do quinhão: herdeiros respondem na medida do que receberam. Superior Tribunal de Justiça
  • STJ – Habilitação de crédito: anuência dos herdeiros deve ser expressa (2025). Superior Tribunal de Justiça
  • Alimentos e espólio: não se transfere obrigação alimentar não demandada antes do óbito; transmitem-se dívidas já existentes (STJ, 2019). Superior Tribunal de Justiça
  • Súmula 251/STJ – Meação: só responde quando provado benefício do casal (execução fiscal/ato ilícito).

Conclusão

No Brasil, a responsabilidade por dívidas do falecido é objetiva, previsível e limitada: espólio antes, herdeiros depois, sempre até o valor herdado. Saber em qual etapa está a sucessão, qual é a natureza do crédito e como estruturar a cobrança/defesa evita excessos e acelera soluções práticas.

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