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Dr. Michel R. Paes – Advogado

Cabimento de indenização por dano moral trabalhista

O dano moral no ambiente de trabalho ocorre quando a conduta patronal (ação ou omissão) viola direitos da personalidade do trabalhador — como honra, imagem, intimidade, saúde psíquica e integridade física — gerando humilhação, sofrimento ou constrangimento indevidos. A Constituição Federal assegura a reparação por ofensa à honra e à imagem (art. 5º, V e X). A CLT, após a Reforma Trabalhista, disciplinou o tema nos arts. 223-A a 223-G, especificando bens jurídicos tutelados e critérios de quantificação do dano. Planalto+1

1) Fundamentos jurídicos

  • Constituição Federal: proteção da honra, imagem, intimidade e vida privada (art. 5º, V e X) e competência da Justiça do Trabalho para danos decorrentes da relação de trabalho (art. 114, VI). Planalto
  • CLT (arts. 223-A a 223-G): define dano extrapatrimonial e lista bens protegidos (art. 223-C), além de parâmetros para fixação do valor (art. 223-G). Planalto
  • Código Civil (arts. 186 e 927, parágrafo único): responsabilidade civil por ato ilícito e hipótese de responsabilidade objetiva quando a atividade implica risco especial. Em 2020, o STF (Tema 932) firmou que é constitucional responsabilizar objetivamente o empregador por acidentes em atividades de risco. Supremo Tribunal Federal
  • Competência da Justiça do Trabalho: o TST reafirma, na Súmula 392, a competência da JT para julgar indenizações por dano moral e material decorrentes da relação de trabalho, inclusive propostas por dependentes ou sucessores. TST

2) Quando cabe indenização

O cabimento exige, como regra, a presença de conduta ilícita, dano e nexo causal (responsabilidade subjetiva). Em atividades com risco especial (ex.: transporte de valores, vigilância armada, algumas operações de segurança/risco), pode-se aplicar a responsabilidade objetiva, bastando provar o evento danoso e o nexo com a atividade. Supremo Tribunal Federal

Exemplos recorrentes reconhecidos pela jurisprudência

  • Assédio moral: cobranças com metas abusivas, humilhações públicas, xingamentos reiterados ou isolamento deliberado. O reconhecimento depende de prova do abuso; a mera cobrança de produtividade, sem excesso, não basta. TRT 18ª RegiãoTRT-MG
  • Assédio sexual: condutas de conotação sexual não desejadas ligadas à subordinação; a CLT protege a sexualidade como bem jurídico (art. 223-C). Planalto
  • Revistas íntimas ou procedimentos vexatórios: práticas invasivas e abusivas têm sido rechaçadas, com condenações por violação à dignidade; em hipóteses análogas, o TST reconhece dano moral in re ipsa (presumido) quando a ilicitude é evidente. Consulta Documento
  • Exposição a risco de assaltos/violência sem medidas de prevenção em atividades notoriamente perigosas (aplicação do art. 927, par. ún., CC e Tema 932/STF). TRT-MG

Observação importante: o TST consolidou entendimento de que nem todo descumprimento contratual gera dano moral in re ipsa. Ex.: a ausência de anotação na CTPS, por si só, não configura dano moral presumido — é indispensável prova do abalo. TST

3) Prova do dano

O ônus segue a CLT (art. 818) e o CPC (art. 373). Em regra, cabe ao trabalhador comprovar a conduta e o nexo (testemunhas, e-mails, mensagens, políticas internas, advertências, relatórios de metas, laudos médicos/psicológicos). O juiz pode adotar a distribuição dinâmica do ônus (CPC, art. 373, §1º) em casos de maior dificuldade probatória do empregado (ex.: acesso a logs internos). Em hipóteses de ilicitude clara, a jurisprudência admite in re ipsa, dispensando prova de extensão (p.ex., cancelamento arbitrário de plano de saúde de inválido). JusLaboris

4) Prescrição aplicável

  • Regra geral (relação de emprego): prescrição quinquenal, limitada à propositura da ação em até 2 anos após o término do contrato (CF, art. 7º, XXIX). O termo inicial pode observar a teoria da actio nata (ciência inequívoca da lesão). Planalto
  • Dano moral em ricochete (ação autônoma por herdeiros/dependentes): o TST tem aplicado a prescrição trienal do CC (art. 206, §3º, V), por se tratar de pretensão civil própria dos familiares, não de crédito trabalhista do empregado falecido. Há julgados recentes nessa linha. Consulta DocumentoTRT-MG

5) Fixação do quantum indenizatório

O art. 223-G da CLT elenca critérios (natureza do bem, gravidade, intensidade do sofrimento, conduta do ofensor, eventual retratação, situação econômica das partes etc.) e prevê faixas orientativas por gravidade:
leve (até 3x), média (até 5x), grave (até 20x) e gravíssima (até 50x) o último salário contratual do ofendido.

Em 26–27/06/2023, o STF decidiu que esse “tabelamento” não é teto obrigatório: os limites funcionam como parâmetros e, em casos justificados, o juiz pode ultrapassá-los, com fundamentação nas circunstâncias do caso e nos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade. Supremo Tribunal FederalMigalhas

6) Cenários típicos (e como os Tribunais têm visto)

  • Metas e gestão por pressão: caberá quando houver abuso (excessos, humilhações, “rankings da vergonha”, retaliações), não por mera cobrança legítima. TRT-MGTRT 18ª Região
  • Assédio sexual e discriminação: condutas de conotação sexual e práticas discriminatórias (gênero, gravidez, doença grave etc.) violam bens da personalidade e ensejam reparação. Planalto
  • Acidente/violência em atividade de risco: indenização possível independentemente de culpa (responsabilidade objetiva) quando o risco especial é inerente à atividade. Supremo Tribunal Federal

7) Boas práticas probatórias e preventivas

Para o trabalhador: registre incidentes (datas, locais, autores), guarde mensagens e e-mails, busque atendimento médico/psicológico quando necessário e procure testemunhas.
Para a empresa: implemente políticas claras de prevenção a assédios, treinamentos periódicos, canais de denúncia efetivos e atuação da CIPA com foco no tema; documente medidas de prevenção de riscos e respostas a incidentes. (A prevenção e o cuidado com saúde ocupacional integram as NRs e o PGR/PCMSO.) Serviços e Informações do Brasil

8) Conclusão

O cabimento da indenização por dano moral trabalhista está solidamente amparado pela Constituição, pela CLT e pela jurisprudência do STF e do TST. Em linhas gerais, prova do abuso + dano + nexo conduzem à condenação; nas atividades de risco, o dano e o nexo podem bastar (responsabilidade objetiva). O valor deve observar os critérios do art. 223-G, mas não está engessado pelos multiplicadores: o STF autorizou ultrapassar as faixas quando o caso exigir. Supremo Tribunal Federal


Referências essenciais (seleção)

  • CF/88, arts. 5º, V e X; 7º, XXIX; 114, VI. Planalto
  • CLT, arts. 223-A a 223-G (Lei 13.467/2017). Planalto
  • STF (ADI 6050, 6069, 6082) – parâmetros do art. 223-G são orientativos, não teto. Supremo Tribunal FederalMigalhas
  • STF – Tema 932 (RE 828.040) – responsabilidade objetiva do empregador em atividades de risco. Supremo Tribunal Federal
  • TST – Súmula 392 – competência da JT para danos morais e materiais decorrentes da relação de trabalho (inclusive por sucessores). TST
  • TST – dano em ricochete – aplicação da prescrição trienal do CC em ações autônomas de herdeiros/dependentes. Consulta DocumentoTRT-MG

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